
Sendo assim
Opinião
"Sendo Assim" é uma música produzida por Sam The Kid com mistura e masterização de Here´s Johnny e é a última faixa do álbum Mechelas (2018), é também uma das minhas músicas preferidas do rap nacional e uma das que acho obrigatória para todos os amantes de rap e hip-hop ouvirem, é uma música muito "pesada" a nível de comparações e metáforas, tem bastantes rimas com várias camadas e duplos sentidos e é preciso ouvi-la muitas e muitas vezes para conseguir extrair algo, como de resto este autor já nos habituou.
Na minha opinião o que o Sam nos quer transmitir com este som é a maneira como ele escreve e cria as suas músicas, onde vai buscar a inspiração e porque faz o que faz.
Música original: https://www.youtube.com/watch?v=COUNh6qTGAg
Dicas na letra
Nota: não está aqui a letra completa, apenas algumas das dicas que achei mais interessantes trazer e nas quais dou a minha opinião sobre o que elas significam, caso não tenhas percebido alguma outra dica ou não concordes com alguma das coisas que escrevi aqui entra em contacto comigo !!
Nem tudo é para todos
Com isto o Sam está a dizer que este som não é para toda a gente, este som não é para a queles que querem dançar nas discotecas ou que ouvem músicas 1 e 2 vezes e depois descartam-nas, não, este som é para quem gosta de pensar naquilo que está a ser dito, para aquelas pessoas que gostam de "dissecar" as letras.
Há um silêncio que ainda me ensurdece
Uma incerteza na pertença, ou para ti sou guest?
Tá tudo inverso e o mundo diverte-se, é um dissabor
Como nunca houvesse quem visse o verso e ouvisse a cor
O que faço não é básico, dou o máximo por um clássico
Não é fácil, cada frase, cada traço no meu a cinco
Marvila é vida, é a vinha que eu engarrafo
Tou na minha e eu nunca sigo a mesma linha, eu paragrafo
Hoje em dia, muitos "rappers", imprensa ou até mesmo nós "ouvintes de rap nas ruas" não o mencionamos nem lhe fazemos referência, o que está mal, mas o "mundo" diverte-se e não está importado com isso, o que lhe dá tristeza e dissabor, e isso acontece porque a maioria das pessoas só vê os versos para ouvir a sua cor, ou seja, para ouvir a parte bonita, e não ligam ou não se apercebem que existem lá mais coisas, existe uma mensagem que está a ser passada.
Sam começa por dizer que não faz coisas básicas, que os sons que faz não são para durar pouco tempo, mas que fazer isso não é fácil então ele dá o seu máximo em cada frase que escreve no seu caderno A5 para fazer os clássicos, que são coisas que duram imenso tempo.
Aqui Sam diz que é em Marvila onde vai buscar as suas ideias e inspirações e que apesar de estar sempre na dele e ser fiel a si mesmo vai sempre tentado evoluir, ou seja, "mudar de linha", "fazer paragrafo".
Tenho sede na cabeça e a cabeça no dedo
Mas quando sonho tenho medo que adormeça na rede
Esta "sede na cabeça" que Sam nos diz que tem é a sua sede de estar sempre a pensar em algo novo e tentar inovar, e que sempre que chega a algum lado com esses pensamentos os passa para o papel, mas também nos mostra o seu receio de ficar "perdido nos seus pensamentos" e de ficar só pelo "pensar" e nunca chegar ao "fazer".
Nunca tive uma ambição com a ilusão de uma aderência
Porque ter a profissão não é missão, é consequência
Aqui Sam diz que faz o que faz por amor e não por dinheiro, fãs ou fama e que isso veio tudo por consequência.
Não me rendo à influência e na falência eu direi
Que não preciso de uma venda, não sou deusa do direito
Sam diz que não vai fazer aquilo que é mais "pedido" pelo publico ou seja aquilo que está a "bater" que está nas tendências, não, ele faz o que quer e o que gosta e que não precisa de se vender, nem agora nem quando estiver falido, ou seja, não precisa de uma venda (ato de vender) como a deusa do direito (a deusa do direito é uma deusa que usa uma venda nos seus olhos) .
Com a Sony Digital ganhei a noção da lente
Para um dia ser imortal como a nação valente
Aqui Sam tenta nos passar mais uma vez a ideia de que faz as coisas para ficarem imortais, para durarem para sempre, como as gravação de uma câmara.
O segredo para a (saída) não é subir altitudes
É quando aponto o im (porta) nte, é quando nomeio virtudes
A glória mora onde eu pertenço e o apreço condecora
E eu tou preso a este peso que me ancora
Para putos radicais, nada é phat se é antigo
Mas eu não vou ser mais um arquitecto sem abrigo
Não entro na moleza e no que a incerteza traz
Um dia é muito tempo quando tem um talvez atrás
Sendo assim, a cena sai sem pressões
Sinto o som sem pensar em aceitações
É a trajectória de outros craques de outras gerações
Conto estórias onde fracos têm orações
Sendo assim, a cena sai sem pressões
Sinto o som sem pensar em aceitações
Eu queria sumo, queria alunos com informações
Não há dumbos, só cardumes sem recordações
Lancei me e nunca bazei assim que saquei o dobro
Estou grato pelo passeio, eu ziguezagueio o globo
No tempo em que eram só maquetas, os rappers eram autores
Cantores eram poetas e poetas eram pintores
O assédio não me embala e eu na calma nem respondo
A um armazém que esconde almas em desconto
E eu só digo obrigado, por viver com agrado
Por ter uma vida assim, e não assim²
O segredo não é chegar ao topo rapidamente, mas sim ser verdadeiro enquanto o tentamos fazer.
Podemos também ver que a palavra "saída" e "porta" estão referenciadas, indicando que a saída é na porta, porta essa que está no meio da palavra "importante", isto que é uma referência ás duas ultimas palavras "nomeio virtudes" concluindo esto significa que o importante a reter é que a porta de saída são as virtudes, ou seja, as boas qualidades morais.
O Sam diz-nos que o seu lugar é onde está a glória, e que o prémio dele, o que ele realmente quer é o apreço, a consideração e não os prémios, a fama ou o dinheiro e que sabe e sente o peso dessa responsabilidade, a responsabilidade de ficar na história.
Para os novos ouvintes que andam por ai nada é "em condições" ou "bom o suficiente" se é antigo, só o que é novo importa, mas o Sam não vai desistir do que construiu, como um arquiteto constrói uma casa o Sam construiu a sua carreia e não vai deixar que os novos ouvintes a destruam, como infelizmente já aconteceu com alguns :(
Para não deixar que isso aconteça, que lhe destruam a carreira, o Sam não vai relaxar, não vai perder o seu espaço para não entrar numa incerteza, porque um dia com um talvez atrás é muito indefinido e traz muita incerteza (talvez um dia).
Muitas coisas para se analisarem neste grande refrão, ele começa por dizer que faz o que faz para ele e que por isso não há pressões, faz o que sente e não o faz para agradar a ninguém, e que isso era o que se fazia antes, fazer as coisas por amor e não para "bater"
Depois diz que não há dumbos só há cardumes, ou seja, já não existem pessoas com grandes ouvidos que absorvam músicas desta natureza e que fiquem com elas na cabeça, que se lembrem da história, por causa da "memória de elefante", mas que só existem cardumes, ou seja, que só existem pessoas com memória de peixe, que não se lembram da história e que vão atrás do que a maioria vai, como os cardumes.
Ele aqui diz que não fez o que fez só pelo dinheiro, que não é por ter muito dinheiro que vai embora e abandonar isto e que o que lhe interessa é o passeio, o caminho, e não a meta.
Aqui o Sam remete mais uma vez para o passado, onde não havia as condições que existem agora mas que era ai que os rappers eram originais, eram verdadeiros artistas e poetas (e não copiavam) e na altura chamavam-se pintores (que são artistas) às notas de 100 escudos e as figuras retratadas nessas notas eram Fernando Pessoa e Bocage, ambos poetas.
O que o Sam diz aqui é que ele não é aliciado por promessas de grandeza, ele nem lhes responde, porque sabe que essas promessas já encheram armazéns cheios de almas que se venderam por pouco (em desconto).
No fim ele agradece por viver a fazer o que ama e por ter essa vida e não uma vida assim assim (assim²).

